A tese enfrenta-se à análise do itinerário vital de Fernando Távora, inteiramente dedicado a uma causa de refundação estética e conceptual de uma arquitectura portuguesa condenada à mediocridade e ao ostracismo, quando ele começa o exercício profissional. A investigação adentra-se nos aspectos todos da sua dedicação à consecução de aquila missão já que, o que ele próprio chamaria -orteguianamente- a sua circunstância, resulta inseparável do seu pensamento e da sua obra.
A riqueza e complexidade da figura de Fernando Távora e a sua importância manifestam-se na tese como ponto de viragem na evolução da arquitectura portuguesa, até o reconhecimento internacional das últimas décadas fruto, principalmente, da consagração de Álvaro Siza e a nomeada Escola do Porto. A partir de uma posição de autonomia absoluta, seu trabalho distinguir-se-á pela singularidade teórica e arquitectónica, sem deixar, no entanto, de influir decisivamente no seu entorno imediato.
Dois manifestos escritos, o juvenil O problema da Casa Portuguesa e o posterior Da Organização do Espaço, são elementos estruturantes de um pensamento teórico que germina em uma obra construída inseparável daquele, cuja coêrencia é corroborada pelos considerados aquí como verdadeiros manifestos projectuais do arquitecto. Efectivamente, como tais, analisar-se-ão em detalhe a Casa sobre o Mar -manifesto inicial-, o Pavilhão de Ténis – manifesto confirmatório- e a Casa os 24 – manifesto final-, projectos todos que vieram a luz em diferentes etapas da sua carreira, constituindo a aplicação práctica das suas teorias em uma sintaxe magistral.
Mostrar-se-á como, para acometer o seu projecto integral de arquitectura, uma causa de regeneração da arquitectura portuguesa, encostada na síntese entre modernidade e tradição, ele tiraria de seus dois personagens mais admirados, Le Corbusier e Pessoa, a força moral e a energia que lhe permitiram enfrentar a sua missão épica apaixonadamente.
Numa busca infatigável no global e no local, do CIAM ao Inquérito, Távora conseguirá prestar grande atenção ao contexto do lugar de intervenção, sem renunciar às suas convicções modernas, introduzindo a história e o desenho como ferramentas de conhecimento do sítio e, a seguir, do processo criativo. O método projectivo resultante deste modelo, que transmitirá através do seu ensino à sucessivas gerações de arquitectos, tornar-se-á elemento estruturante de uma tendência que emergiu das salas de aula portuenses, que a crítica internacional terminaría por chamar Escola do Porto, num sentido mais lato. Devido à influência no percurso profissional do[s] arquitecto[s] portuense[s] das fases mais marcantes da evolução de Távora desde os anos 50, são analisadas uma série de obras representativas de diferentes momentos da carreira de Fernando Távora.
Na tese, são observados certos paralelos com grandes arquitectos do século XX: influências temporárias de alguns mestres modernistas nos quais Távora procurava a confirmação de suas próprias teorías, semelhanças com arquitectos contemporâneos aos que percibiu próximos pela convergência de alguns dos seus critérios, como J. A. Coderch, e coincidências surpreendentes com arquitectos desconhecidos para ele, entre os quais os mestres da Escola de Madrid, Alejandro de la Sota y F. J. Sáenz de Oiza.
Por fim, em uma alegoria com os heterônimos de Fernando Pessoa, o importante trabalho de Álvaro Siza Vieira, Alexandre Alves Costa e seu filho José Bernardo Távora é analisado a partir de uma perspectiva pessoal, resultado de pesquisas e entrevistas com todos eles, valorizando-os como agentes coadjuvantes na realização do projeto integral de arquitectura [e vida] de Fernando Távora.
Acima de tudo, na arquitectura portuguesa, é possível afirmar, com a paráfrase bíblica que dá título à tese, que “No princípio era Távora…”